Mês de março de 2014, final do verão, com sol ainda forte, entro no banco por volta das 14h30. Dirijo-me a uma espécie de sala vip, com cadeiras confortáveis na sala de espera, direito a café espresso e água.
Conto quinze cadeiras e vejo todas ocupadas, na sua maioria, por idosos. Apesar disso, a ordem que vigora é a da chegada, e não há senha: a atendente anota o nome e o procedimento a ser encaminhado ao gerente. Constato que, com exceção dos que serão encaminhados ao caixa e a esses é entregue uma senha, os outros estão aguardando pelo gerente que, geralmente, é o da sua conta. Porém, ouço alguém explicando a outros clientes que alguns gerentes se encontram de férias e, então, outro os atenderá.
Uma senhora aparentando mais de setenta anos, conversa com o senhor ao lado, dizendo que, se os ônibus de BH fossem confortáveis, rápidos e em maior número, certamente, seria um incentivo para as pessoas deixarem os carros em casa, afinal, o trânsito da cidade já não comporta tanto veículo. E, se assim fosse, deveria ser proibida a circulação de carros na cidade, pois só então o trânsito melhoraria. O homem a escuta, mas não se manifesta. Então, ela muda de assunto e reclama que está assentada há mais de uma hora, que deveriam distribuir senha, assim, ela poderia deixar o local, resolver algumas pendências e depois retornaria. Ao que outro cliente lhe responde que dessa forma não funciona, uma vez que não tem como prever quanto tempo o cliente gastará com o gerente. Uns saem rapidamente, enquanto outros, às vezes, demoram mais de uma hora… Então, ela reclama que não tem nem uma revista para não ver o tempo passar…
Nesse momento, assenta-se outra senhora ao seu lado que acena para uma gerente que a cumprimenta e adianta que ela será a próxima. Imediatamente, a senhora na faixa dos setenta, pergunta o que a cliente quer da gerente, se ela é gerente da sua conta. A outra, se mostrando um pouco irritada, mexe na bolsa, não a olha, e vai respondendo que, sim, ela é gerente da sua conta há muitos anos. E a senhora diz que também é cliente da gerente, que o negócio que ela vai tratar é rapidinho, apenas uma informação, e que chegou primeiro que ela, logo, a gerente tem de atendê-la primeiro. A outra, pouco mais jovem, mantém o equilíbrio e emenda que elas aguardassem a chamada.
Nisso, outro senhor dirige-se à atendente e informa que esteve no banco pela manhã, esperou mais de uma hora, não foi atendido, resolveu ir embora e retornar à tarde. Já estava aguardando há mais de uma hora, tinha 80 anos e achava um desaforo ter de esperar tanto e sem uma previsão do horário que seria atendido. Então, outras pessoas começaram a se manifestar reclamando do tempo de espera.
Enquanto isso, mais pessoas foram chegando. Muitos idosos acompanhados, e percebi que não havia cadeira para todos e não se poderia pedir que alguém cedesse o lugar, afinal, sendo idosos, não seria justo perguntar a idade, para certificar-se de quem era o menos velho para ceder a cadeira…
Interessante foi constatar que os de meia idade que chegavam tentavam convencer à atendente a passá-los na frente, ao que ela, firmemente, informava que não seria possível, haja vista o número de clientes que estava aguardando.
Eu já estava de pé desde que cheguei, afinal, quando um idoso se levantava para ser atendido, outro já ocupava o seu lugar. Então, fiquei entre o balcão e o cafezinho a fim de observar o movimento do lugar, ao mesmo tempo em que, às vezes, tentava ler algumas linhas da “Poética do Devaneio” de Gaston Bachelard. Tentei buscar uma conexão da leitura com o lugar em que eu me encontrava.
Ressalto que sempre que vou a algum lugar, a primeira coisa que enfio na bolsa (por isso, ela tem de ser grande) é um livro. Deus me livre sair sem ele! Qualquer coisa que me lembra a palavra ESPERA (bancos, consultórios, fila de ônibus, até trânsito engarrafado quando estou no volante…) faço uso do meu “tranquilizante”, a fim de não me estressar. E quer maior tranquilizante do que um livro? Quando “entramos nele”, temos de ser cutucados por outra pessoa, porque não ouvimos que alguém chamou o nosso nome e nem percebemos que o relógio já virou os sessenta minutos…
Pois bem, antes de abrir o meu livro na página marcada, comecei a me perguntar se “devaneio” tinha alguma relação com aquele momento e lugar, que, reafirmo, confortável, embora eu estivesse em pé, embora a sala estivesse cheia, embora os idosos estivessem reclamando…
Então abri o livro e dei sequência à parte que eu havia parado: “Assim, é todo um universo que contribui para a nossa felicidade quando o devaneio vem acentuar o nosso repouso. A quem deseja devanear bem, devemos dizer: comece por ser feliz. Então o devaneio percorre o seu verdadeiro destino: torna-se devaneio poético: tudo, por ele e nele, se torna belo. Se o sonhador tivesse “a técnica”, com o seu devaneio faria uma obra. E essa obra seria grandiosa, porquanto o mundo sonhado é automaticamente grandioso.”
Fechei o livro e comecei a olhar cada pessoa que ali estava, principalmente os olhos. Dei com olhos serenos, preocupados, conformados, apressados e tentei imaginar qual teria sido o sonho de vida de cada um…
E, nesse devaneio, “visualizei” várias histórias: de luta, fracasso, vitória e até de abandono do sonho…
Voltando à realidade, confiro o relógio: 16h10 e concluo: só tomando um cafezinho…
Estou ao lado de uma senhora de cabelos “louros”, bem arrumada, pingando o adoçante na xícara e percebo que ela é cliente assídua do banco, pois a moça que serve o café pergunta a ela sobre o filho. Ela responde: “está cada dia pior, minha filha. E eu estou cansada (olha para mim, talvez porque ela me considere uma cliente “vip” também, e passa a me contar). Você acredita que ele gastou quinhentos mil só neste ano, com farras? E agora vendeu um apartamento caríssimo! Hoje cedo, tomei meio rivotril. Minha médica disse que não tem problema. Evita até que eu tenha um infarto. Do jeito que estou… não sei mais o que é dormir…”
Não tenho dúvidas e arrisco: “Por causa de mulher? Foi abandonado?”
Ela confirma com a cabeça: “É. A esposa o largou. Ficou desarvorado, começou a beber e se entupir de drogas. Um homem bonito, culto, fala três línguas, ganhava trinta mil, abandonou tudo. Está ficando zerado e comprometendo a minha renda. Não aguento mais, afinal, não é nenhuma criança. Tem 39 anos. Vou para a praia com a minha outra filha que é muito centrada e equilibrada. Vou ficar num ótimo hotel durante um mês, e, quando eu voltar, vou dizer a ele que dê um jeito na vida, porque, comigo, ele não vai ficar assim.”
Despede-se de mim.
Finalmente, sou chamada. Não fico dez minutos e deixo o banco.
Abraço o “Bachelard” e lhe “digo”: só buscando a poesia no devaneio para sair um pouco do pesadelo da realidade.
Gostei. Abs Alessandra