Um dia de cão

                                       

             Eu sabia que aquele dia sombrio prometia. Tal qual o tempo se apresentava, o meu interior também não estava lá essas coisas. Nervoso, apático eu me encontrava. Porém, como sou um cara “para cima”, procurei driblar a chateação do dia, tentando manter a calma e o bom-humor, apesar de constatar que o telefone da minha casa só dava sinais de ocupado _ muito embora eu more sozinho -, e, para completar, uma dorzinha enjoada no dente, colaborava para atiçar o meu aborrecimento.
            Consegui enfrentar um dia de trabalho e, por volta das 20h, deixei a empresa rumo a minha casa. Antes, porém, precisava providenciar o essencial para sobreviver. Passei no supermercado, comprei o necessário e dirigi-me ansiosamente para o meu recanto, a fim de tomar um banho, para quem sabe assim, largar a “urucubaca” que teimava em me acompanhar, antes de fazer uma refeição completa, a única que faço, uma vez que passo o dia inteiro fora de casa.
            Desci do ônibus carregando sacolas e mais sacolas, além da carne que necessitava urgentemente de refrigeração, pois, seu sangue já escorria pelo embrulho.
            Ao levar a mão no bolso, dei pela falta da chave. Achei estranho e conferi o molho de chaves. Com ele, eu havia aberto os dois portões que dão acesso ao prédio. Porém, faltava a chave da porta do meu apartamento. Joguei os embrulhos no chão e numa busca frenética, ansiava em achar a chave. Nada. Conferi, novamente, o molho de chaves. A única que faltava era a própria. Respirei fundo e, num esforço energúmeno de memória, procurei passar o rascunho do meu dia a limpo, para me lembrar onde a havia deixado.
            Veio-me à memória, a cena da noite anterior. Preocupado com a possibilidade de perder a chave algum dia, havia retirado-a do chaveiro para providenciar uma cópia. É isso, devo tê-la deixado no serviço. De posse do meu celular, entrei em contato com a empresa que só fechava às 22h. A funcionária se propôs a procurá-la e me retornaria. Enquanto isso, eu não poderia ficar parado esperando. E se ela não achasse?
            Apossei-me dos embrulhos e dirigi-me à igreja que frequento. Lá, encontrei-me com o amigo Gabriel, que morara comigo no apartamento durante algum tempo. É isso, pensei. Ele deve ter a cópia da chave. Perguntei-lhe se ainda a tinha e ele despertou a minha esperança quando me respondeu que sim. Haveria de buscá-la em sua casa. Porém, assim que esse “anjo” Gabriel se dirigia para a saída da igreja, sou rapidamente chamado a um canto por outro amigo que me informa de uma festa surpresa que havia sido preparada para o Gabriel na sua casa. Conclusão: ele não poderia ir até lá àquela hora. Mais do que depressa, gritei para o Gabriel voltar, como se eu já houvesse resolvido o meu problema. Como todo anjo bem mandado, o Gabriel me obedeceu, aumentando a minha frustração.
Diante dessa impossibilidade, dirigi-me a um chaveiro mais próximo. No caminho, recebo a ligação da funcionária: a chave não estava na empresa.
            Ao chegar diante do chaveiro, o valor que me cobraria para abrir o meu apartamento soou como um tiro: R$ 40,00. Meti a mão no bolso e constatei o tamanho do rombo: eu só tinha R$ 20,00.
            Voltei ao apartamento com a carne sangrando pelas minhas pernas, enquanto a minha mente queria acompanhá-la.
            Nervoso, constatei, no escaninho da portaria, que a revista assinada por mim não estava lá e, lembrando-me de que todos os vizinhos aproveitam da minha ausência para lê-la, já bati a campainha do vizinho disposto a exigir a localização da minha revista naquele momento.
            Atendeu-me a D. Maria e, para o meu espanto, disse-me que seu filho foi entregar-me a revista e deu com a chave na porta, por volta das 17h daquele dia. Súbito, o desespero de mim se apoderou. A chave estava lá até às 17h e se não está mais, justifica-se o meu telefone ocupado durante todo o tempo. É isso, assaltaram o meu apartamento. Num átimo, D. Maria falou que o filho pegara a chave. O meu rosto iluminou-se! Até que enfim, o problema havia sido solucionado e eu entraria no meu recanto. Porém, D. Maria, na sua inteligência, não pensou duas vezes quando o filho lhe entregou a chave. Tratou, imediatamente, de jogá-la pela janela do meu apartamento.
 Eu não queria acreditar que, no mesmo instante em que a luz no fim do túnel me iluminava, um breu imenso a abafou. Estaca zero. Como eu faria para pegar a chave? Janela gradeada, tudo apagado… Seria impossível. Mas não sou de me dar por vencido, em situações que exigem a minha criatividade. Afinal, não era essa a minha profissão? Providenciei, com D. Maria, um cabo e um arame. Era tudo de que eu precisava.
            A primeira providência foi tentar acender a luz interna com o pau. Num esforço sobre-humano devido à posição em que me encontrava, depois de várias tentativas, eis que a luz iluminou o ambiente. Depois, pude verificar que a chave caíra no parapeito da janela. Ainda bem, eu haveria de pegá-la. Posicionei-me e, também, depois de quase quebrar as minhas costas, ei-la suspensa pelo arame que enfiei.
            Nisso, já se tinha passado mais de duas horas de suplício, desde que eu chegara do serviço. Com a chave na mão, sabia que o meu martírio havia terminado.
            Aliviado e ao mesmo tempo cansado e faminto, enfiei-a, imediatamente, no tambor e, para a minha surpresa, constatei que a chave não rodava. A porta estava aberta!

1.312 thoughts on “Um dia de cão

  1. Simply want to say your article is as surprising. The clearness in your post is just excellent and i can assume you are an expert on this subject. Well with your permission allow me to grab your feed to keep up to date with forthcoming post. Thanks a million and please carry on the gratifying work.

  2. First of all I would like to say fantastic blog! I had a quick question that I’d like to ask if you do not mind. I was curious to find out how you center yourself and clear your head prior to writing. I’ve had trouble clearing my thoughts in getting my thoughts out. I truly do enjoy writing but it just seems like the first 10 to 15 minutes are generally lost just trying to figure out how to begin. Any recommendations or tips? Kudos!|

  3. Hi this is kind of of off topic but I was wondering if blogs use WYSIWYG editors or if you have to manually code with HTML. I’m starting a blog soon but have no coding know-how so I wanted to get advice from someone with experience. Any help would be enormously appreciated!|

  4. Have you ever considered about including a little bit more than just your articles? I mean, what you say is fundamental and everything. But just imagine if you added some great graphics or videos to give your posts more, “pop”! Your content is excellent but with images and videos, this blog could definitely be one of the best in its niche. Awesome blog!|

  5. Hmm it looks like your blog ate my first comment (it was extremely long) so I guess
    I’ll just sum it up what I had written and say, I’m thoroughly enjoying your blog.
    I too am an aspiring blog blogger but I’m still new to everything.
    Do you have any helpful hints for newbie blog writers?

    I’d really appreciate it.

  6. I just couldn’t depart your site prior to suggesting that I actually loved the standard information a person supply to your visitors? Is gonna be back continuously to inspect new posts|

  7. Spot on with this write-up, I actually assume this website wants much more consideration. I’ll most likely be again to read much more, thanks for that info.

  8. What i don’t understood is actually how you’re not really much more well-liked than you may be right now. You’re very intelligent. You realize therefore considerably relating to this subject, made me personally consider it from so many varied angles. Its like women and men aren’t fascinated unless it’s one thing to do with Lady gaga! Your own stuffs outstanding. Always maintain it up!

  9. The next time I learn a weblog, I hope that it doesnt disappoint me as much as this one. I imply, I do know it was my choice to learn, however I truly thought youd have one thing interesting to say. All I hear is a bunch of whining about something that you possibly can fix in the event you werent too busy looking for attention.

Deixe uma resposta para lippolln.yahoo.c99.com99lippolln.yahoo.c99 9 Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Website