Carta a um experiente escritor

Caro colega das letras – se é que mereço fazer jus a esse patamar, considerando que ainda não atingi o trono que você ocupa. Sei que você é muito ocupado para dar ouvidos e olhos a uma amante das letras que ainda não faz parte do seu círculo literário, o quê, aliás, não é nem um pouco interessante a você, haja vista a proliferação de escritores que, na sua ingênua opinião, é um risco à sua confortável posição.
Diferentemente de um jovem poeta que, no século passado, encontrou em um grande poeta a atenção e, porque não dizer, os ensinamentos de humildade e autocrítica tão gentilmente doados, sem medo algum de que o jovem roubasse-lhe a estrela, quero, apenas, solicitar-lhe o ínfimo do seu tempo, porque sei que, embora eu não faça parte dos chás das 5, posso muito auxiliá-lo para que você não perca o sono ao vislumbrar a possibilidade de ter de passar o cetro algum dia a um mancebo que não tem nem a metade das suas estradas nas letras.
Para iniciar, sei que a globalização, a alta tecnologia, a velocidade em que, atualmente, o novo se instaura em todas as áreas, assusta-nos consideravelmente, em especial àqueles que veem nisso uma grande ameaça, principalmente, ao seu posto já conquistado, e, assim, enclausuram-se, endurecem seus círculos de amizade e trancam as portas para tudo e todos que ousam invadir o seu espaço, ainda que não seja, em absoluto, essa a intenção dos outros.
É do conhecimento de todos que o mercado, propriamente dito, tem sido, cada vez mais, muito disputado, haja vista a gama de conhecimentos somados às inúmeras oportunidades que os jovens de hoje se lançam. Atualmente, ter um curso superior é pouco se o candidato a uma vaga não for bilíngue, ou não tiver, em seu currículo, uma experiência no exterior. Fatalmente, numa seleção, ele já se torna um ex-candidato para aquele recém intercambista de volta ao País, principalmente, se sua formação universitária se deu lá fora.
Em todas as artes, infelizmente, constatamos que também é assim. Escritores, músicos, artistas em geral que não têm no currículo um diferencial além do próprio talento também não conquistam um lugar de destaque nas editoras, produtoras, etc.
Sei que você dir-me-á que há vários caminhos. E há realmente. Os concursos literários são uma forma de o aspirante a escritor ou poeta fazer jus ao reconhecimento do talento. Porém, é fato também que um prêmio literário ou vários prêmios não abrem portas de editoras, não sabemos se pelo descrédito dado a esses concursos pelos editores ou se algumas linhas de um escritor já renomado seja o que, realmente, tenha peso nas vendas dos livros expostos nas estantes.
O fato é que, embora vivamos na mais alta tecnologia de todos os tempos, com trocas de mensagens imediatas, a comunicação entre o escritor e o leitor, ou pior, entre o escritor e um aspirante a escritor tem-se tornado cada vez mais rara, claro, com raríssimas exceções. Se antes, vários livros foram compilados sobre a troca de cartas, recados, contatos de escritores entre si, futuramente, esse tipo de livro está fadado à extinção, pois mesmo que a carta tenha se tornado obsoleta, os e mails não poderiam ser reunidos, simplesmente pelo fato de que as mensagens não são respondidas.
Certamente o escritor retrucará que, se fosse responder às centenas de mensagens que ele recebe, não teria tempo nem para trabalhar nem para dormir, o que procede realmente, principalmente, se levarmos em consideração aquelas pessoas desocupadas e sem respeito pelo outro. Em se tratando de artistas, muitos perdem sua liberdade até de circular como cidadão comum.
Infelizmente – por uma questão cultural, e, no ramo da literatura, o Brasil engatinha muito lentamente –, sei que os escritores não sofrem esse tipo de assédio, até porque, embora muito conhecidos de seus leitores e escritores iniciantes, passam despercebidos pela grande maioria da população, exatamente porque o número de leitores no Brasil é bastante inferior ao número de pessoas que circulam diariamente pelas ruas.
Uma prova cabal de que sei do que escrevo foi dada recentemente. No dia 16 de janeiro de 2012, faleceu, em Belo Horizonte, o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós. Premiado com quatro prêmios Jabuti, autor de quarenta e sete livros, condecorado na França, presença constante em várias escolas, bibliotecas e faculdades, grande parte dos seus livros indicados pelas escolas, fiquei surpreendida ao ouvir de vários jornalistas, na redação de um jornal, ao receberem a comunicação sobre o falecimento do escritor, a seguinte frase: “Bartolomeu, escritor? Quem era? Nunca ouvi falar…” E olha que isso se deu dentro da redação de um jornal, imagine se fosse dentro de um supermercado…
Então, caro escritor, fica bastante evidente que quanto mais você se fecha em seu casulo, entabula conversas somente com os do seu meio restrito, mais distante você fica do seu leitor e dos possíveis leitores que conquistaria, porque, diferentemente de antigamente em que o que ficava em evidência era a obra do autor e a autoria muitas vezes nem era mencionada, hoje, urge que o autor apareça, já que centenas de obras são editadas diariamente, e os canais disponíveis para a divulgação não se reduzem apenas ao rádio, jornal e TV. A internet com suas redes sociais estão, a cada segundo, lotando as telas de informações, e uma obra, por melhor que seja, se não cair no “boca a boca” dificilmente alçará voos…
Não é difícil identificar o tipo de escritor que estou mencionando. Quando ele recebe uma mensagem elogiosa do seu livro, artigo ou crônica, geralmente, ele não deixa de agradecer ao leitor, afinal, esse leitor está endossando as vendas nas livrarias. Agora, quando esse mesmo leitor que o elogiou comete o despautério de lhe enviar um artigo seu de um assunto em pauta, não solicitando favor algum, apenas alguns minutos de leitura, o escritor desaparece da sua tela, dando mostras de que textos alheios não lhe interessam e não dispõe de tempo para lê-los.
De maneira alguma estou me referindo às pessoas sem escrúpulos, que não respeitam a privacidade de uma pessoa pública.
Enfim, prezado escritor, diferentemente do jovem poeta que buscou e achou a amizade e, sobretudo, a humildade de um grande poeta, eu, amante da literatura, dos livros e da escrita e, por isso, experiente na arte de ler, aconselho-o: não fuja do leitor, para que ele não antipatize com o autor, deixando de adquirir o livro por causa do escritor!
Com carinho,

Fátima Soares Rodrigues

4 thoughts on “Carta a um experiente escritor

  1. Há cartas que nunca chegam.
    "Ao remetente".
    Eric Satie, músico francês, não abria as cartas que recebia, e, mesmo assim , respondia à todas.
    Stanislaw Ponte Preta, dizia sobre os jovens escritores: 'são milhares de talentos caminhando para o anonimato'.
    Macunaíma cobrou do Comendador Pietro e Pietro o título 'Capitão do mato'.
    Os três com suas razões, estamos mais Macunaíma, um dia cobraremos o nosso título. Com juros.

    Aceite meu abraço
    (imitando o Velho Alcione Araújo, exemplo ate de um 'posta restante'.'

  2. Salve, Célio Manso! Sempre pertinentes as suas considerações. E ricas. E poéticas. E completamente necessárias. Imitando também o falecido escritor, Alcione Araújo: aceite o meu abraço.

  3. À guisa de Macunaíma.

    Pois bem, repetindo: O Comendador Pietro e Pietro, – colecionador de arte – homem abastado, sem limite de posses. Queria a si, até o imaterial título de 'Capitão do mato'. Título comprado sem a anuência de seu detentor. Usurpado o cobrou, sem sucesso, mandou-lhe a PQP. O sem caráter ao menos sabia o que lhe pertencia.
    Fátima, louros da arte. Estes, hoje, te pertencem.
    E, novamente, aceite meu abraço.

  4. Obrigadíssima, Celito. E, você, até nos comentários, enriquece-nos com a sua verve literária. E que "A Linha" traga "O Peixe" para assentarmos e nos deliciarmos com o saboroso "Caqui".o
    Sucesso!

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