Um ano sem Alcione Araújo

Hoje, dia 15 de novembro, completou um ano de falecimento do cronista, romancista e dramaturgo Alcione Araújo. Desde então, nós, leitores, ficamos sem ler suas crônicas às segundas-feiras, no jornal Estado de Minas.
 
É difícil apontar qual a melhor crônica do Alcione que foi publicada, desde setembro de 2001, no Caderno Cultura. Porém, a crônica SEM PARAR DE CANTAR foi uma das que mais me marcou. E eu dizia isso a ele. Tanto que, no lançamento da coletânea das crônicas publicadas no livro: “Cala a boca e me beija”, na Academia Mineira de Letras, no dia 9 de dezembro de 2010, algumas crônicas foram lidas por ele, e essa não ficou de fora.
 
Relendo novamente a crônica, creio que algumas passagens são dignas de ser lembradas:
 
“O senhor eu sei que não reclama dos meus passarinhos e até aprecia o canto deles. Já vi o senhor de manhã, na volta da caminhada, ficar um tempão olhando pra gaiola pendurada na árvore, ouvindo o meu curió. O senhor, que tem tanto livro, sabe como é bonito, gosta do que toca o coração. Mas tem morador que reclama que o canto dos passarinhos acorda ele, que não dorme mais, e começa o dia nervoso. O senhor acha que é possível canto de passarinho dar nos nervos?
Já chegou no ouvido do síndico. Ele avisou que na volta quer ter uma conversa comigo. Vai dizer que reclamaram dos passarinhos. O quê que eu posso fazer? Calar os bichinhos, não posso! Vai querer que me livre deles – também não posso.
Sou do interior, o senhor sabe, que nem os porteiros de tudo que é prédio por aí. Lá a gente aprende as coisas com os bichos. Aprendi tanta coisa com passarinho! O senhor já viu passarinho fazer ninho? Ele bica um gravetinho aqui, um garrancho acolá, vai longe atrás de uma palha, de um capim, voa horas por uma flor de algodão. Quando fica pronto, arrumadinho, bate a ventania, cai o temporal, vem um bicho qualquer, ou aparece algum menino e acaba com tudo. Acha que passarinho chora, reclama da vida? Passarinho, não. Passarinho começa tudo de novo. E sem parar de cantar! Lá vem ele com o graveto, o capim, a folha seca, o ramo…
O senhor já viu ninho com ovinhos? Três, cinco, meia dúzia, desse tamanhinho! Quando filhotinho tá pra nascer, é de chorar: vem o vento, a chuva, o bicho ou o menino e acaba com tudo! Passarinho xinga e quer matar? Passarinho, não. Passarinho começa tudo de novo. E sem parar de cantar! Lá vem o garranchinho, a palha, a flor de algodão…
O senhor tá entendo aonde eu quero chegar? A vida tem sua atrapalhação, tem homem de mais e passarinho de menos, o senhor não concorda? Homem reclama, chora, desanima, desiste e tudo o mais. Passarinho, não. Passarinho não desiste. Nem para de cantar.
Se não posso calar passarinho, nem vou dar pros outros, nem vender, nem trocar, nem soltar, é capaz que o síndico me mande embora. O que eu posso fazer!
O senhor sabe, se tiver que ser, vai ser. Vou chorar e pedir pra ficar? Eu não! Vou embora, e levo meus passarinhos e minhas gaiolas, que é quase tudo que tenho. No caminho não sei pra onde, vou juntando esperança, que nem passarinho junta graveto, e faço meu ninho com as folhas verdes da esperança. E sem parar de cantar, que nem tô cantando aqui pro senhor.”
A última crônica do livro “Cala a boca e me beija” chama-se “Morte e ressurreição” e narra a recuperação de uma cadela semimorta, salva por ele e um amigo: duas crianças de seis anos de idade, que deram, a ela, o nome de Morte:
“Morte nos trouxe muita alegria. Logo se ergueu e andou. Antes de correr, latia. E, por latir, ficou arriscado mantê-la no porão. Mas não foi difícil passar a Morte adiante. Embora despelada, estava curada e esperta. Surgiu até a tentação de adotá-la, mas desistimos. Uma vizinha idosa a acolheu – tivemos o bom-senso de não revelar seu nome. Ao lembrar-me de Morte, saltitante e eufórica, e compará-la com o animalzinho que agonizava na esquina, sou inclinado a crer que aos 6 anos aprendi os vestígios do que se chama morte e ressurreição. Com os dois entendi também o que é esperança.”

 

Que não percamos a esperança de poder ressuscitá-lo, Alcione, por meio das palavras que você deixou registradas em seus livros!

3.328 thoughts on “Um ano sem Alcione Araújo

  1. Hi there! I realize this is somewhat off-topic but I had to ask.
    Does building a well-established website such as yours take a large amount of work?
    I’m completely new to blogging however I do write in my diary every day.
    I’d like to start a blog so I will be able to share my own experience
    and views online. Please let me know if you have any ideas or tips
    for new aspiring blog owners. Appreciate it!

  2. You could definitely see your expertise within the article you write.
    The sector hopes for more passionate writers like
    you who are not afraid to say how they believe. Always follow your heart.

  3. Thank you for another informative blog.
    The place else may I get that kind of information written in such an ideal approach?

    I’ve a venture that I’m simply now operating on, and I
    have been on the glance out for such info.

  4. Everything posted was very logical. However, what
    about this? suppose you were to create a killer title?
    I am not suggesting your content isn’t solid., however suppose you added a
    title to possibly get a person’s attention? I mean Um ano sem Alcione Araújo | Conversa Literária – por Fátima Soares is a little
    vanilla. You ought to look at Yahoo’s front page and note how
    they create article titles to grab people to open the links.
    You might add a video or a related picture or
    two to grab readers excited about what you’ve got to say.
    Just my opinion, it might bring your posts a little livelier.

  5. Please let me know if you’re looking for a article writer for your site.
    You have some really great articles and I feel I would be a good asset.

    If you ever want to take some of the load off, I’d absolutely love to write some articles for your blog in exchange for a link back
    to mine. Please send me an e-mail if interested.
    Thanks!

  6. Definitely believe that which you stated. Your favorite justification seemed to be on the net the simplest thing to be aware of. I say to you, I certainly get annoyed while people consider worries that they plainly don’t know about. You managed to hit the nail upon the top and also defined out the whole thing without having side effect , people can take a signal. Will likely be back to get more. Thanks

  7. I simply wanted to construct a simple word to express gratitude to you for some of the nice tips and tricks you are giving on this site. My long internet search has at the end of the day been compensated with awesome suggestions to share with my companions. I would mention that most of us website visitors actually are rather endowed to exist in a fantastic website with many brilliant individuals with helpful pointers. I feel somewhat grateful to have encountered the site and look forward to plenty of more thrilling minutes reading here. Thanks a lot once again for everything.

  8. I must voice my gratitude for your kindness supporting women who actually need help with your subject. Your personal commitment to passing the solution all over appeared to be extremely useful and has regularly encouraged men and women much like me to attain their aims. Your new warm and helpful tutorial means a great deal to me and especially to my office colleagues. Many thanks; from each one of us.

  9. It’s a pity you don’t have a donate button! I’d definitely donate
    to this outstanding blog! I guess for now i’ll settle for book-marking and adding
    your RSS feed to my Google account. I look forward to fresh updates and will
    share this website with my Facebook group. Talk soon!

  10. Good day! I know this is kinda off topic but I was wondering if
    you knew where I could locate a captcha plugin for my comment form?
    I’m using the same blog platform as yours and I’m having problems finding one?
    Thanks a lot!

Deixe uma resposta para read here Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Website