Valter, trinta e nove anos, é o professor de Matemática. Veio do nordeste, fugindo da seca que ano a ano assola seu Estado. De estatura baixa, cabeça chata e sotaque nordestino, sobra-lhe o rosto de feições rudes para afastar qualquer deboche. Forma de se impor fora do berço. No primeiro dia de aula, a sala em alvoroço pelo reencontro com os colegas, ele entra silencioso, dirige o olhar a todos, pega devagar o apagador, virando-o para o lado da madeira, aproxima-se da mesa, ergue-o com o braço o máximo que consegue e o solta, de repente, sobre a pesada mesa de madeira, provocando um barulho ensurdecedor, assustando os alunos. As salas de aula, na década de 70, tinham um piso mais alto que abrigava a mesa e a cadeira do professor. O quadro é negro, mas o giz é branco. A noção de hierarquia já começava dali.
Quando entro por esta porta, não quero ouvir nenhum espirro, entenderam? Na minha aula, ninguém sai para tomar água e nem pede para ir ao banheiro. Se eu pegar algum rosto olhando para o lado que não seja em minha direção, ou na direção do quadro-negro, boto para fora de sala e mando para a sala do diretor. Prova é no dia e na hora em que eu resolver. Não aviso antes. Obrigação de vocês é saberem a matéria que ensinei. E vou avisando: tratem de estudar porque se ficarem com 59,9 não dou nem um décimo para o mínimo necessário. Estamos entendidos?
Uma troca de olhares assustados entre os alunos, e, imediatamente, o berro com o murro na mesa: vocês estão surdos? Eu vou perguntar pela última vez: estamos entendidos?
Sim, em uníssono.
A lição de casa será vista logo no início da aula. Que ninguém tente me enganar, fazendo no dia. Passarei de carteira em carteira para dar o visto.
Bate o sinal, final da aula, e, assim como entrou, o professor deixa a sala, sem, ao menos, um até amanhã. Como se tivessem saído de uma hipnose, pernas se esticam, cabeças se dobram, e um “que alívio” ecoa das bocas.
“Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão, não”.
No recreio, a liberdade para as conversas, ainda que vigilantes escolares se postem nas arestas do pátio. Nas ruas centrais, estudantes universitários tentam manifestações de repúdio à censura, mas são dispersos por gás lacrimogêneo acompanhado do ruflo dos cassetetes que espocam nos ombros, cabeças, costas e pernas, e, na praça da guerra, camburões se enchem rapidamente. Os escolados, ao perceberem a presença da polícia, gritam: lá vem a Rapa!
“Somos todos iguais braços dados ou não.”
João Carlos, vinte e dois anos, universitário, é o professor de Português. Apaixonado pela língua e pela literatura, suas aulas são inovadoras. De posse de um gravador a pilha, toca as músicas censuradas, despertando-nos para as metáforas.
João amava Maria. Qual é o sujeito?
O sujeito é João que poderia amar Elinete, pensa a aluna. Gostaria de ser o objeto direto de João. Junto a ele há segurança, ficaria livre do demônio da matemática. Adoro português e detesto matemática. Gosto de sonhar e não suporto a lógica dos fatos. Não quero sair desta escola. Necessito me alimentar de palavras e de presenças.
Silêncio total. Nem um zumbido de mosca é ouvido. Com as mãos enlaçadas atrás, Valter passeia de carteira em carteira, dando vistos na lição de casa. Ele se aproxima da última fileira. Elinete assenta-se na beirada. Ele se abaixa para pôr o visto no caderno dela e roça sua genitália no braço de Elinete. Assustada, ela se encolhe, e um misto de ódio e medo a invade. Não o olha. Treme, e silencia.
“Pai, afasta de mim este cale-se.”
Mãe, estou passando mal. Amanhã não vou à aula.
Filha, não faça isso. Você já está tão atrasada…
Não foi naquela sexta-feira. Ficou remoendo os pensamentos, enquanto roía as unhas. Contar à mãe o que o professor fez era o mesmo que levar o pai para a cadeia, porque religioso e moralista, ele seria capaz de meter uma bala na cabeça do safado. E, depois, tem o medo de se indispor com o professor. Nervoso do jeito que ele é, nem sei o que faria.
“Têm dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu”
No sábado à noite, o culto.
Quantas vezes devemos perdoar, Mestre?
Setenta vezes sete.
Sempre achei a matemática muito infinita, pensa Elinete.
Elinete, venha até o quadro.
Eu?
Tem mais alguém com o nome de Elinete aqui?
Parada em frente ao quadro-negro, Elinete esfrega nervosamente as mãos. Três exercícios de inequação a esperam. Ela faltou à última aula quando foi dada a matéria. Vira-se para o quadro e tenta esconder com o corpo a mão com o giz que rabisca e apaga, rabisca e apaga.
“Quando chegar o momento, este meu sofrimento vou cobrar com juros, juro!”
Queria dizer que não veio à aula porque passou mal por ele ter se encostado nela. Queria chorar e gritar que sente nojo e ódio dele…
“A gente quer ter voz ativa. No nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá.”
Volte para a sua carteira. Na hora do recreio, ficará comigo na sala para aprender inequação.
Envergonhada, com os olhos vermelhos, assenta-se na carteira. O resto da aula é só pavor. O quadro-negro se torna a tela. O professor assentado ao seu lado, colando a perna dele na dela, passando a mão nas suas coxas. É capaz de vê-lo tirando a roupa dela com os olhos. A tremedeira se inicia à medida que os minutos se passam. Seus joelhos se batem, suas mãos esfriam. O frio a invade e ela desmaia. Um forte cheiro de álcool a desperta. Encontra-se na sala do diretor, e, para seu alívio, o grande carrilhão marca 16h15. Já passou o recreio. Na saída da escola, Madalena pergunta:
Pelo amor de Deus, Elinete, o que aconteceu?
Não quero ficar sozinha com ele na hora do recreio, porque um dia, quando ele estava conferindo a lição de casa, encostou o “troço” dele no meu braço.
Ah, Elinete, deve ter sido sem querer, você está cismada porque ele só pega no seu pé.
Ele me chamou de propósito no quadro, porque sabia que eu tinha faltado à última aula e não saberia resolver os exercícios. Uma desculpa para ficar comigo no recreio.
Vamos com calma, Elinete. Grosso do jeito que ele é, não simpatiza com ninguém. Acho que ele percebe a sua fragilidade, e, por isso, te pega pra cristo. Você tem de ser mais firme. Aconteceu de novo?
Não.
Então, esqueça, Elinete. Tire isso da cabeça que só vai fazer mal a você. Vou a sua casa no domingo te ensinar inequação, e, assim, você não precisará ficar com ele no recreio, certo?
Elinete se animou.
Sábado á noite, o culto:
“Se teu olho é motivo de pecado, arranca-o. Se tua mão é motivo de pecado, corta-a fora, porque o fogo do inferno aguarda os depravados.”
Por um momento, visualiza a mesa, o apagador, o quadro-negro e o professor de matemática sendo consumidos por uma enorme chama.
No domingo, Madalena lhe ensinou a matéria e lhe passou vários exercícios. Elinete estava pronta para ter direito ao recreio.
Agora, Elinete, você precisa enfrentá-lo. Deixar ficar te humilhando é um desaforo.
Amanhã, irei à aula de coque. Quero deixar o meu rosto à vista.
Professor João, o que é incógnita?
É segredo, enigma, mistério, desconhecido.
O pavor que essa palavra me provoca na matemática é o meu devaneio em português, pensa ela.
Eu amo. Tu, Elinete?
Tive vontade de dizer: eu adoro, mas a pessoa era a segunda, e, fixando o meu olhar nos olhos dele, afinal, eu estava treinando, respondi: Tu amas.
Pessoal, João amava Maria. Se Maria amasse João, qual a função do “se” nessa frase?
É a mesma da frase: “se eu tivesse alguma chance”, respondeu imediatamente Elinete, e corou quando João lhe perguntou: Chance de quê?
Ora, de que João me amasse!
E foi uma risada geral.
Para não me esquecer, acho que é melhor eu substituir para o português. Menos um bossal, mais ou menos raiz quadrada de débil sobre dois amores (eu e o João, claro!), lembrando-me que débil é igual bossal elevado à potência dois, menos quatro vezes amor correspondido. Acho que assim não me esquecerei.
Na equação, vocês têm de colocar o “x” em evidência, afirma o professor.
Ah! Agora sim. Gostei desse “x” em evidência. Vou nomear esse “x” de Elinete. Vamos Elinete, você precisa estar em evidência. Não posso negar que essa matemática também me é muito útil, pensou Elinete.
Elinete, venha ao quadro e resolva esta equação do segundo grau.
“Amanhã vai ser outro dia”.
Levanto-me decidida. Estou de coque, rosto à mostra e olhar confiante. Ao meu lado, Madalena me olha cruzando os dedos. Está torcendo por mim. Posso dizer que não vacilei. Resolvi rápido e acertei. Surpreso, o professor dirige-me um sorriso incógnito, e, ironicamente, me diz:
Vejo que você está gostando da minha aula.
Mal sabe ele que me valho das amadas aulas de português para suportar a dele.
Agora, fechem os cadernos, vamos fazer uma prova.
A tensão é geral na sala. Ele distribui as provas viradas sobre as carteiras e pede que ninguém as vire, enquanto ele não ordenar. Após a entrega da folha ao último aluno, ordena: podem começar.
Elinete não tira os olhos da prova, atenta aos cálculos. De mãos cruzadas atrás do corpo, Valter dá voltas na sala, observando os alunos. Elinete se agarrou numa questão. Ela morde o lápis, escreve e apaga e não vê que o professor a observa de longe. Ele se aproxima, abaixa-se se esfregando no ombro dela, enquanto toma-lhe o lápis e escreve o resultado na questão. Elinete levanta-se, rapidamente, empurra o professor e grita: cachorro!
Ponha-se para fora imediatamente, ele berra.
É o que vou fazer. Vou direto à sala do diretor contar que espécie de professor o senhor é.
Ao abrir a porta, dá com Madalena saindo da carteira: espere, Elinete. Vou com você. Ao mesmo tempo, dirige o olhar aos colegas. Seis alunos se levantam em direção à porta.
Quem deixar esta sala, além de tomar zero na prova, será suspenso por três dias, berrou o professor.
Isso é o que vamos ver, respondeu Madalena.
“Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Artur é o diretor da escola. Ocupa uma pequena sala no primeiro andar. Na parede, o retrato do presidente do Brasil, de postura altiva e a faixa verde-amarela. Ao seu lado, três bandeiras: do Brasil, do Estado de São Paulo e da escola. São hasteadas em dias cívicos e toda sexta-feira, quando os alunos entoam o Hino Nacional. Os alunos adentram a sala, nervosos e falando ao mesmo tempo.
O diretor se levanta nervoso e permite apenas que Elinete entre.
O que aconteceu, minha filha?
O seu Valter anda se encostando em mim com a sua parte genital.
Elinete, não confunda as coisas. Não deve ter sido por querer. Você é uma garota alta e às vezes, ao se aproximar da sua carteira, sem querer ele se encostou em você. Não queira inventar uma situação que não existe
“Não adianta um pé de coelho no bolso traseiro, nem mesmo a tal ferradura suspensa atrás da porta”
Elinete teve vontade de falar que não devia ter sido sem querer coisa nenhuma, porque encostou uma coisa dura nela. Mas não teve coragem de dizer isso.
Vamos fazer o seguinte, Elinete, eu vou subir com vocês à sala, pedir licença ao professor Valter para que vocês entrem porque houve um mal entendido, mas que tudo já se resolveu, e damos por encerrado esse assunto.
Na divisão exata, a ordem das parcelas sempre altera o resultado. O divisor deve ser sempre menor do que o dividendo para que o resultado seja positivo. Valter é o dividendo, e eu, o divisor. Não tenho chance.
Aula de matemática: Valter entra sorridente, dá boa-tarde a todos, avisa o dia em que aplicará a outra prova, desejando a todos boa sorte e que sejam aprovados no final do ano. No final da aula, ao cruzar com Elinete, dirige-lhe um sorriso irônico e diz: “vim, vi e venci!”.
“Espalho coisas sobre um chão de giz… disparo balas de canhão, é inútil, pois, existe um grão-vizir”
Trinta anos depois, Elinete entra na sala de aula, cumprimenta a todos, pede silêncio uma, duas, três vezes e, sem sucesso, diz aos alunos do Ensino Médio que quem não quiser assistir à aula, pode ficar lá fora, mas que não atrapalhe aquele que quer assistir. Ouve algumas risadas, alguém trombeteia que ela deve dar aula caladinha porque o pai é quem lhe paga o salário e o outro ameaça que, se ficar para recuperação, vai ser pior para ela.
A sala é ampla, não tem degrau, o quadro é branco, mas o pincel é preto.
“No fim do mundo, tem um tesouro. Quem for primeiro carrega o ouro.
No mais, estou indo embora, no mais, estou indo embora…”
Terceiro lugar no Prêmio Cataratas Internacional de Contos – 2014
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